domingo, 13 de julho de 2014

Seu Geraldo Filme " A voz do Samba Paulista "




Escrevo esta pequena matéria sobre samba  de São Paulo e por coincidência, talvez não, o tema abordado é sobre um dos grandes músicos dessa que indiscutilvelmente é a mais plural de nossas metrópoles. A cidade locomotiva do Brasil brilha intensamente e transpira uma cultura diversificada devido aos grandes imigrantes que a adotaram e dos migrantes brasileiros que levaram para ela a nossa diversidade. Contudo, mesmo com toda sua heterogeneidade São Paulo tem uma cultura própria que a identifica vinda de sua origem caipira mas que agregou também a nossa negritude e dela soube tirar proveito, principalmente no samba esse gênero musical que para muitos so tem representatividade no Rio de Janeiro. É claro que a cidade maravilhosa, não sei se tão maravilhosa ainda, é o maior celeiro de sambistas pátrios e a sua tradição nesse aspecto pode ser considerada insuperável, porém, apesar de estabelecer-se com uma forte identidade carioca ele na realidade incorpora de tal forma o espírito de nossa gente que passa a ser patrimônio nacional sem limites de fronteira.

     Dito isso podemos então ouvir samba em qualquer recanto de nosso imenso país percebendo que a cada lugar em que ele é executado traz consigo um pouco das tradições locais e identificado-o pelas maneira como é executado. Pensando nisso foi que me veio à lembrança que uma das mais infelizes denominações dadas a São Paulo é o fato dela ter sido chamada de tumulo do samba, eu já falei sobre isso antes, mas nunca é demais relembrar que trata-se de uma inverdade absoluta mas que por algum motivo acabou se tornando quase que um consenso. O fato é que o estigma não pegou nem pegaria jamais, pois uma terra que pariu Noite Ilustrada, Germano Mathias, Adoniram Barbosa, Demônios da Garoa e Geraldo Filme, apenas para citar alguns mais conhecidos ja que a lista é imensa, merece ser louvada como um dos berços mais distintos do samba nacional.

     Sobre Geraldo Filme é importante lembrar que mesmo não sendo uma figura largamente conhecida nacionalmente seu talento de compositor o eleva a um dos patamares mais altos da hierarquia do samba brasileiro. Nascido na cidade paulista de São João da Boa Vista em 1928, ao cinco anos mudou-se com a família para a capital e como a maioria de nossa população era um garoto e jovem pobre que tirava seu sustento como entregador de marmitas, mas se a pobreza era um problema que tinha de enfrentar, esta tinha sua compensação com a capacidade de criar belos sambas e tornar-se ainda muito cedo um conhecido e respeitado compositor. Foi um dos fundadores do cordão carnavalesco Paulistano da Glória, mas tarde transformado em escola de samba e iniciou sua carreira trabalhando nas escolas de samba Coloração do Brás e Vai Vai, sendo que nesta última chegou a diretor de carnaval e campeão com o samba enredo de sua autoria Solano, vento forte africano, composto em homenagem ao folclorista Solano Trindade, é também autor dos sambas Vai no Bexiga pra ver, que se tornou uma espécie de hino da Vai Vai e Silencio no Bexiga, feito em homenagem a Pato N’água, famoso diretor de bateria da escola.

     Incorporando toda a essência de sua negritude Geraldo Filme tornou-se uma referencia e uma liderança na comunidade negra de São Paulo, denunciando injustiças sociais além de lutar pela afirmação da cultura negra na sociedade paulista, sua obra é fundamental para a compreensão da formação e da dificuldade vivenciada pelos afrodescendentes paulistas, bem como a sua relação com a cidade que crescia e se transformava velozmente. Defensor das tradições culturais de seu povo trouxe para o carnaval de São Paulo todo o brilho do samba consolidando-o como uma das maiores expressões musicais da terra da garoa afirmando sua identidade e incorporando-o como elemento hegemônico entre as diversas manifestações que se integram no cenário plural da maior cidade brasileira. A ele o carnaval da grande metrópole deve o seu desenvolvimento e afirmação como manifestação popular a partir da segunda metade do século vinte. Em 1980 aos 52 anos Geraldo Filme gravou seu único disco na gravadora Eldorado interptetando seus maiores sucessos, trata-se de um trabalho que revela a mais pura raiz do samba urbano paulista onde se percebe o seu enorme talento de compositor, poeta e intérprete. Decididamente é um disco fundamental porque demonstra o espírito negro da maior de nossas cidades através de um corolário de imagens que definem todo o engajamento do artista pela luta da afirmação de seus irmãos de cor. O repertório é formado por pérolas como, A morte de Chico Preto, Mulher de malandro, Eu vou pra lá, Garoto de pobre, História da capoeira, São Paulo menino grande, Vai cuidar de sua vida, Vamos balançar, além das citadas Vai no Bexiga pra ver e Silencio no Bexiga, mais Tristeza do sambista, a única de sua não autoria, composta por Osvaldo Arouche e Walter Pinho.

     Finalizando o disco temos Reencarnação em que ele com todo seu talento de poeta resume de modo brilhante a sua filosofia de vida:

Eu quero ser sambista
Ao renascer de novo
Pra cantar a alegria
E desventura de meu povo
Quero ter muitos amigos
Como tenho atualmente
Cantar samba na avenida
E nascer negro novamente.

     Geraldo filme renasceu para a eternidade em 5 de janeiro de 1995 e certamente continua inspirando a luta e a dignificação dos negros em todo o país principalmente em sua terra, São Paulo, cuja tradição afro teve nele um de seus mais ilustres filhos e divulgadores. Axé!



  • BIOGRAFIA
Geraldo Filme, nome artístico de Geraldo Filme de Souza (São Paulo, 1927São Paulo, 5 de janeiro de 1995), compositor, cantor e militante negro brasileiro. Também foi conhecido como; "Seu Geraldo", "Geraldão da Barra Funda", "Tio Gê" (apelido dado pelas crianças), "Corvão" e na infância de"Negrinho das Marmitas".

Geraldo Filme era filho de Sebastião e Augusta Geralda, ambos nascidos em São João da Boa Vista e filhos de negros contemporâneos aos ultimo anos do sistema escravista. Segundo seu registro oficial, Geraldo Filme nasceu em São João da Boa Vista, no interior paulista, no ano de 1928. Contudo, segundo ele próprio afirmou no programa Ensaio da TV Cultura, ele teria nascido na capital paulista em 1927. São João da Boa Vista , foi o local onde ele foi registrado e batizado, por ser a terra natal de seus pais e familiares de ambos os lados. Na época era bastante comum, pelo menos entre as famílias negras, batizar e registrar os filhos na terra de origem da família como se a criança também fosse nativa daquela terra. Segundo ele a festa de seu batizado durou mais de um dia. O pai tocava violino, mas foi com a avó que conheceu os cantos de escravos que influenciaram sua formação musical.
Sua mãe tinha uma pensão nos Campos Elísios e ficou conhecida como "negra da pensão". Ela fazia marmitas que o menino Geraldo entregava em toda a região, ficando conhecido como "Negrinho da Marmita". Antes de ser dona de pensão, a mãe de Geraldo Filme foi empregada domestica de uma abastada família paulistana. Nessa época ela teve a oportunidade acompanhar essa família em uma viagem a Londres. Depois de observar os movimentos sindicais em Londres ela teve a ideia de fundar o sindicato das empregadas domesticas, classe trabalhista, que em São Paulo era formado praticamente apenas por mulheres negras. Esse sindicato deu origem ao grêmio recreativo que deu origem ao cordão carnavalesco que futuramente iria se transformar na Escola de Samba Paulistano da Glória.
O cantor e compositor Zeca da Casa Verde foi grande amigo de infância de Geraldo Filme. Devido a forte amizade entre suas respectivas mães, Geraldo e Zeca,que tinham a mesma idade, praticamente, foram amigos "de berço" ao ponto de se identificarem como primos. Na Barra Funda, bairro vizinho, o pequeno Geraldo Filme e Zeca, seu primo de consideração, passavam um bom tempo nas rodas de samba e tiririca (capoeira) que os carregadores e engraxates improvisavam, no Largo da Banana. Nessa época o samba, assim como muitas das manifestações culturais da população negra, eram proibidas. De modo que muitas vezes a roda era interrompida com a chegada da policia.
Aos 10 anos, após ouvir o pai dizendo que em São Paulo não se fazia samba de qualidade como no Rio de Janeiro, Geraldo Filme compôs seu primeiro samba "Eu Vou Mostrar" com o intuito de provar ao pai que em São Paulo havia samba de qualidade.
Tanto na infância quanto na vida adulta Geraldo Filme participou da festa de Bom Jesus de Pirapora onde havia grande participação da população negra. Discriminados, durante essa festa os negros ficavam alojados em barracões fora da área urbana. Ali, após a parte religiosa do evento, eles se divertiam com samba de bumbo e outras danças então comuns a população negra do sudeste. Certa vez, quando Geraldo Filme era menino, sua mãe , pagando uma promessa, o havia vestido de anjo. No entanto o organizador da festa o proibiu de andar na procissão com outras crianças vestidas de anjo, por ser negro. Revoltada sua mãe jogou fora as asas e o levou ao barracão onde os negros faziam suas festas, onde não eram discriminados. Essa ocorrência o teria marcado ao ponto de na vida adulta, ter servido de inspiração para o samba "Batuque de Pirapora".
Geraldo Filme foi testemunha participante das antigas manifestações culturais populares de São Paulo, sobretudo das, então reprimidas manifestações culturais da população negra. No programa Ensaio, falando sobre sua juventude ele relatou as rodas de tiriricas, cujos instrumentos improvisados eram as palmas das mãos, as latas de lixos e as caixas de engraxar sapato. Ele relatou os bailes que os negros promoviam nos porões, para driblar as repressões policiais, as Festas de Bom Jesus de Pirapora, os tamborins artesanais (não havia em São Paulo nenhuma loja especializada nesse tipo de instrumento) em formato quadrado cuja armação era de madeira e o coro feito com pele de gato e que era esticado numa fogueira improvisada com papel de jornal. Relatou uma época em que o Carnaval acontecia nas ruas sem intervenção do Estado e era sustentado pelo gosto da própria população que, informalmente, se organizava. Nos bairros, por exemplo, enquanto os negros cuidavam da parte musical os italianos se encarregavam da parte da alimentação.
Geraldo tem o nome ligado à história do Carnaval paulista. Respeitado e querido por todas as escolas, marcou presença na Unidos do Peruche, para quem compôs sambas-enredo, mas é lembrado principalmente por sua ligação com a Vai-Vai. O samba "Vai no Bexiga pra Ver" tornou-se um hino da escola, e "Silêncio no Bexiga" homenageia um célebre diretor de bateria da Vai-Vai, exímio capoeirista das antigas rodas de tiririca e chefe da torcida organizada do Corinthians, o Pato Nágua assassinado, na cidade de Susano, pelo Esquadrão da Morte. Com o samba-enredo “"Solano Trindade, Moleque de Recife" levou a escola ao título de campeã.
Um grande conhecedor da história de São Paulo, Geraldo pesquisou e compôs o samba Tebas que conta a história da origem desse termo que significava "o bom" ou "o melhor" e era muito usado pelos paulistanos no século passado. A origem desse termo se dá devido a um escravo que conseguiu sua carta de alforria por ser um grande conhecedor de alvenaria e hidráulica, sendo o responsável pela construção das torres da Catedral da Sé e da canalização dos esgotos da região central da cidade. Foi dele o primeiro casamento na catedral após a construção das torres. Ele construiu também um chafariz no centro da cidade. Ambas autorias não são lembrados pelas autoridades.
Nos últimos anos de vida trabalhou na organização do Carnaval na cidade de S. Paulo, tornando-se uma referência da cultura negra paulistana. Um aspecto pouco estudado de sua obra é a releitura do samba rural paulista ("Batuque de Pirapora", "Tradições e Festas de Pirapora"), que trazem elementos dos jongos, vissungos e batuques ensinados por sua avó. Deixou poucas gravações, e boa parte de sua obra continua desconhecida. O LP “Geraldo Filme”, gravado em 1980, demorou 23 anos para ser lançado em CD (Eldorado, 2003).
Uma importante gravação de cunho documental e histórico, O Canto dos Escravos, com Clementina de Jesus e Doca da Portela (Eldorado, 1982), também já pode ser encontrada em CD. A gravação do programa Ensaio, realizada em 1982, é outro documento valioso sobre Geraldo Filme (SESC/ TV Cultura).
Suas composições podem ser ouvidas em gravações de Beth Carvalho (Beth Carvalho Canta o Samba de São Paulo), Osvaldinho da Cuíca (História do Samba Paulista), grupo A Barca, entre outros. Existe em vídeo um documentário sobre sua obra, realizado por Carlos Cortez, uma coprodução da TV Cultura, CPC-Umes e Birô da Criação.


  •  IMAGENS  GERALDO FILME

















  • ILUSTRAÇÃO DO ARTISTA:. ZÉ NIVIO



 
  • VIDEOS  COM SEU GERALDO FILME



                           PROGRAMA ENSAIO EM 1992 - TV CULTURA COMPLETO







                                  Geraldo Filme - Baluartes do Samba Paulista

 

 

   




TRECHOS DO DOCUMENTÁRIO SOBRE SEU GERALDO FILME


 

   

 

 DISCOGRAFIA    

  • 1980 - Geraldo Filme
  • 1982 - O Canto dos Escravos (Com Clementina de Jesus e Doca)
  • 1982 - Memória Eldorado
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Falar sobre seu Geraldo é gratificante pra mim que o conheci pessoalmente, um grande sambista e uma pessoa impar deixou muitas saudades, o samba paulista e o carnaval deve muito a este mestre salve Seu Geraldo como eu o chamava.

" O Samba tem fundamento, rege o sentimento, também é raiz"

 

Anderson Silva Poeta.

 

 



 

 

6 comentários:

  1. quero deixar aqui meus parabéns pelo bonito trabalho.

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  2. Excelente texto Anderson! Geraldo Filme é de fato nosso maior sambista. Parabéns!

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  3. Belo trabalho. Mas a escola de samba se chama Colorado do Brás, o título do samba é Tradição (hino da Vai Vai) e ele também participou do disco documentário Nas Quebradas do Mundaréu, produzido por Plínio Marcos, além de ter atuado como compositor no Paulistano da Glória, Unidos do Peruche e Camisa Verde e Branco.
    Forte abraço!

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  4. LINDISSIMO TRABALHO Meu Querido ANDERSON SILVA GRANDE POETA ...

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